Em fins de 1991 ou no início de 1992, tive o prazer de conhecer o desenhista Márcio Nicolosi, o Zé Márcio. O que Nicolosi fez pelos quadrinhos de Maurício de Sousa comparo ao que o desenhista italiano Giorgio Cavazzano fez pelos quadrinhos Disney. Ou seja, sem descaracterizar as personagens, ele elevou o nível artístico dos quadrinhos com um estilo diferenciado e uma técnica apurada.
Além da gentileza de ter me fornecido dicas de desenho, Nicolosi também me ajudou a conseguir uma entrevista com o próprio Maurício de Sousa. Em 1992, eu ainda estava vendendo roteiros para as revistas Disney da Abril Jovem. Então,pensei em tentar vender também roteiros para o estúdio de Maurício de Sousa. Aí, preparei várias histórias, desde piadinhas de uma página só a histórias maiores com seis ou oito páginas. Deixei os roteiros lá numa das visitas que fazia ao estúdio para mostrar desenhos ao Zé Márcio, Lembro-me vagamente de alguns roteiros que enviei para avaliação: tinha uma paródia do Poderoso Mightor (super-herói pré-histórico de uma série de desenhos animados da Hanna-Barbera) estrelada pelo Piteco; um crossover entre a Mônica e uma paródia da Mulher-Hulk (She-Hulk) e uma história com discurso pacifista em que o Astronauta encontrava uma mensagem em forma de holograma sobre uma guerra entre dois planetas que foram destruídos após a detonação de uma “bomba de antimatéria”.
Meses depois, no primeiro semestre de 1993, recebi uma carta do estúdio Maurício de Sousa convidando-me a marcar uma entrevista para uma conversa sobre os meus trabalhos. Pois bem, marquei a entrevista e fui lá todo contente.
Antes de conversar com o Maurício, fui entrevistado pela Alice Keiko Takeda, chefe de arte e criação do estúdio. A Alice me fez uns elogios, disse que eu tinha talento para fazer roteiros e que meu traço era “bonitinho”, que talvez eu pudesse ser aproveitado também como desenhista se aprendesse a desenhar as personagens da turma da Mônica. No entanto, ao responder com sinceridade algumas perguntas que me foram feitas, senti que já estava sendo dispensado de qualquer possibilidade de conquistar um emprego ali. Ela me perguntou se eu trabalhava ou se estava estudando, e respondi que não estava fazendo nem uma coisa e nem a outra, mas que pretendia conseguir um emprego para pagar um cursinho pré-vestibular. Era o meu primeiro ano fora da escola e no ano anterior havia concluído o colegial de técnico em Publicidade.
Hoje, passados muitos anos, sei muito bem a diferença entre procurar emprego quando se está desempregado e entre procurar emprego quando se está empregado. Quando se está empregado, seu poder de barganha e sua autoconfiança são maiores, a probabilidade de causar uma impressão melhor é maior. Se você conseguir a vaga, ótimo! Se não conseguir, tudo bem também, pois você tem o seu ganha-pão.Outra coisa que, apesar de lógica, nem todo candidato a uma vaga percebe: numa entrevista, o empregador está interessado em saber no que você tem a oferecer à empresa e não no contrário.
Em todo caso, depois da minha conversa com a Alice, ela ligou para o Maurício que estava num andar acima. Subi, esperei um pouco no sofá. Apesar de muito ocupado, o Maurício foi muito gentil e arranjou um tempinho para conversar comigo. Então ele fez a seguinte avaliação; ” Seu texto é bom, você escreve bem! Seu desenho é razoável! Você ‘fala várias línguas’ em seus roteiros, quero dizer,você mistura influências de vários gêneros de quadrinhos. Sugiro que você volte a ler gibis da Mônica, especialmente os almanaques,onde as histórias melhores e mais antigas são republicadas. Faça diálogos mais curtos. Os textos mais curtos nos ajudaram a vender mais que os concorrentes. Depois, volte daqui alguns meses!’. Outra coisa que ele disse: “Os esboços não precisam ser tão sofisticados, basta uns palitinhos para indicar as personagens!”
Então, o Maurício me forneceu algumas folhas padrão para escrever os roteiros. Eram folhas pequenas do tamanho em que os gibis eram impressos (o famoso “formatinho”) e com quatro tiras diagramadas em cada uma. O Maurício me explicou que o pouco espaço das folhas para esboçar as cenas e escrever os diálogos servia para que os roteiristas se “policiassem” quanto ao tamanho dos textos e procurassem ser mais “econômicos”.
Fiquei um pouco desapontado, pois o que mais queria era poder conseguir um emprego com carteira assinada na área de quadrinhos. Agradeci ao Zé Márcio pela “força” e perdemos contato depois disso, pois poucos meses depois me mudei de São Caetano para Ribeirão Pires. Minha família havia se mudado para lá para fugir dos aluguéis altos em São Caetano. Para mim, não foi uma mudança vantajosa. Nos mudamos de um apartamento perto de padaria, banca de jornal, agência do correio, supermercado e ponto de ônibus para um sobrado afastado do centro da cidade, sem previsão de instalação telefônica na rua (os celulares estavam começando a chegar no Brasil). Em suma, perdi contato com editoras e estúdios.
Uns dois anos depois, quando já estava estudando na USP,cheguei a enviar novas amostras de roteiros para o estúdio do Maurício. Recebi pelo correio as avaliações feitas pela Alice, que não foram muito animadoras. uma das histórias que enviei mostrava o Penadinho conversando com a Dona Morte, que estava triste porque todos a temiam. Então, o Penadinho tentava animá-la mostrando como o trabalho dela era importante. A Alice recusou porque achou que a história poderia ser entendida como uma sugestão para suicídio. Outra história com o Cebolinha, a Mônica e o Cascão havia sido recusada porque havia sido considerada “violenta”,mas não me lembro os detalhes.
Depois dessa última tentativa, desisti de criar roteiros com personagens alheios. Conforme o tempo foi passando,até por conta da minha graduação em História , fui deixando de escrever quadrinhos para cada vez mais escrever sobre quadrinhos. E foi justamente por causa disso que, para minha surpresa, meu nome apareceu citado no livro Maurício – Quadrinho a quadrinho,biografia autorizada de Maurício de Sousa, escrita pelo jornalista Sidney Gusman e lançada pela Editora Globo em 2006. Meu nome e dos demais autores do livro Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula (Waldomiro Vergueiro, Angela Rama, Paulo Ramos e Alexandre Barbosa) são citados nessa biografia quando Gusman menciona que se, no passado, educadores condenavam os quadrinhos, hoje até existem livros que recomendam o uso pedagógico das HQs.